domingo, 29 de novembro de 2015

DAS DECLARAÇÕES QUE EU PODIA TER FEITO

Eu entro com os pés descalços no jardim vasto e florido da sua alma. Eu não temo os espinhos que aparecem de vez em quando. Mais vale o frescor da grama verde entre os dedos. Mais vale apreciar a paisagem com todos os sentidos que posso. Eu respiro você. Eu danço a música do seu corpo, no compasso de cada batida do seu coração. Quando a gente se esbarra, por acaso, num lugar qualquer, meu peito respira aliviado, qual uma criancinha perdida que encontra o abraço de sua mãe. Mas nosso amor não é materno: ele tem sexo, ele tem fogo, ele tem pele e beijos e corpo. Quando me perguntam como vejo meu futuro, ele é sempre assim: nós dois juntinhos, num ninho, com tudo isso que somos quando estamos juntos, nada mais.

domingo, 1 de novembro de 2015

DESENCAIXE

Na ordem das coisas mais sutis dos meus sentimentos
Na candeia da sabedoria que ilumina meus versos quase-sempre tortos
Na alquimia que as palavras tem e trazem a cada grito de amor que gritam em rima:
Eu des-rimo! Me recuso! Contra-verso!
Tenho medo de fincar minhas toiceras na gleba infértil da pseudo-intelectualidade
Nessa sabedoria rasa, que chamo de burra
Essa gente que se iguala, que é nula
Tenho pavor de mediocridade até nas mais pequeninas coisas
Não dá e não quero fazer o corte vertical pra separar sentimento de racionalidade
Pra mim, só funcionam agarradinhos, fazendo amor
Como sujeito e predicado, namorada e namorado
Que se encaixam numa (pre)posição

quinta-feira, 7 de maio de 2015

13 ANOS

quero te levar ao cinema numa quarta-feira à tarde
numa sessão vazia e dar beijo com gosto de m&m's
vamos fingir que a gente tá na sexta série
sair por aí de mãos dadas
com toda pureza de quem não vê malícia
ir pro clube, não fazer a lição
depois eu te levo em casa, outro beijo no portão
vou pregar seu retrato na porta do meu guarda-roupas
escrever seu nome com meu sobrenome pra ver se combina
espalhar pros outros meninos que você é minha namorada
ligar no sábado pro telefone da sua casa
se sua mãe atende, eu faço voz de menina
se seu pai atende, eu desligo

quero te amar como se você fosse a primeira
mesmo que a gente já esteja pelos vinte e tantos anos,

como se o primeiro amor fosse aquele que dá certo

terça-feira, 31 de março de 2015

DISSESTE. FIZESTE. SAÍSTE.

Disseste um "também", em resposta ao meu "eu te amo"
enquanto tomávamos café da manhã
Você quase não comeu nada, alegou indisposição
subiu as escadas depressa, mas com delicadeza
e eu fiquei parado, fingindo engolir o café 
(já não conseguia engolir mais nada),
só ouvindo o choro dos móveis:
abre-fecha, abre-fecha, abre-fecha

Fizeste as tuas malas devagarinho,
não esqueceu um grampo sequer
mas na penteadeira, ficou o cheiro da minha mulher
naquele espelho, o teu rosto
e nos lençóis, o teu corpo
como se tua presença independesse de você estar ali,
como se a tua alma estivesse presa a mim
naquele quarto, onde tantas vezes fomos nós
e as nossas almas se tornaram uma

Saíste sem dizer nada,
arrastando aquele tanto de malas
sem rancor ou raiva,
mas com aquela mesma doçura de sempre
e eu, como espectador dessa cena triste
emudeci!
palavras já não eram necessárias,
nós dois sabíamos,
quando o elevador chegou ao nosso andar,
que você nunca mais voltaria...

Agora, nesse apartamento vazio,
me atrevo a escrever poesia
pensando em nós,
lembrando daquela tua pele macia
e tão quente, tão sua, tão minha
...melhor parar por aqui, já chegou a melancolia

e essa estória já tá virando uma rima pobre.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

O TEMPO DAS COISAS (QUE NÃO SÃO COISAS)

Eu sempre acreditei que a felicidade iria chegar quando eu estivesse inteiramente (corpo, alma, cabeça e coração) alinhado ao tempo das coisas que não são coisas. Quando eu estivesse docilmente subordinado à espera deliciosa desse presente que a vida vem, há muito, embrulhando com suas fitas de cetim mais bonitas pra me entregar. Esse desenho quase expressionista, aquarela romântica, tons de azul em degradê... Quiçá talvez quem sabe um poema cheio de rimas-pobres, desses bem melodramáticos que - por um motivo ou outro - dão uma vontade danada na gente de chorar. É nesse exausto e intenso instante onde eu sempre acreditei que morasse a felicidade. Quando eu estivesse completamente imerso na certeza incerta e duvidosa de que o amor está à minha espera, que vai bater na minha janela, que vamos nos esbarrar na esquina da minha rua ou na venda em que vou sempre comprar pó de café.

A Vida me encarou um dia, fitou fundo os meus olhos e revelou esta triste verdade: que o amor vem só para alguns, vez ou outra, devagar, como quem não quer chegar. Colheita tão esperada que custa a vingar e dar seu fruto. Chuva que se encontra, num beijo, com a terra seca. Água redesenhando as linhas de aridez no solo. Emaranhado de fios, todos cruzados, de um belo tecido em mãos de paciente tecelã. Que o amor é chá-de-cadeira, quem sabe a vida inteira, que é gozo pra quem sabe e quer a ele ser fiel. Que o amor é concebido, fruto de uma paixão que não acontece todo dia, mas que pode chegar a qualquer dia, numa semana vazia. Que o amor, como a vida, é uma eterna sala de espera.

E eu, na certeza de quem sou e com a consciência tranquila de ser plenamente isso que sou, olhei bem nos olhos da Vida, com riso de quem quer chorar, com choro de quem sorri e respondi, serenamente:

- Eu tô acostumado a perder. E mais acostumado ainda a esperar...


sábado, 3 de janeiro de 2015

"EUMAR"

está quente e, mesmo que não estivesse,
minhas emoções transformam qualquer neblina em calor de quarenta graus
minha alma fervendo, ebulindo a cabeça
foi quando a pele - pegando fogo - se encontrou com a água gelada de Copacabana
e nus, nos tornamos um só elemento, um só corpo, uma só paz
enquanto ouvia um canto gregoriano - triste! - ao fundo
a água gelada parecia preencher todos os meus poros
os pulmões ainda relaxados, involuntariamente, se enchiam, devagarinho, de ar
permaneci estático, como um objeto perdido naquelas águas salgadas
oferenda que Iemanjá "injeitou"
e uma paz imensa invadiu meus pensamentos
aquela paz que dizem que só sentimos quando temos certeza que a morte está chegando
me senti eternizado numa pintura de Monet, ali, naquele lugar, naquela sentença
eternizado nas pinceladas do meu pintor favorito, que jeito bonito de partir...

mesmo ensaiando minha partida, o corpo começou a subir
e eu emergi do mergulho, da quase-morte, do possível fim
e as narinas puxaram o ar com urgência, enchendo os meus pulmões
o corpo reagiu, uma vontade feroz de viver
- eu quero viver! -
eu e o mar fizemos amor aquele dia, de forma intensa, visceral
e, desde então, nunca mais fui eu inteiro
o pronome, assim, certinho, primeira pessoa do singular...
sou metade eu, metade mar: eumar

[vezenquando deságuo, vezenquando é preciso empoçar]