sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

O TEMPO DAS COISAS (QUE NÃO SÃO COISAS)

Eu sempre acreditei que a felicidade iria chegar quando eu estivesse inteiramente (corpo, alma, cabeça e coração) alinhado ao tempo das coisas que não são coisas. Quando eu estivesse docilmente subordinado à espera deliciosa desse presente que a vida vem, há muito, embrulhando com suas fitas de cetim mais bonitas pra me entregar. Esse desenho quase expressionista, aquarela romântica, tons de azul em degradê... Quiçá talvez quem sabe um poema cheio de rimas-pobres, desses bem melodramáticos que - por um motivo ou outro - dão uma vontade danada na gente de chorar. É nesse exausto e intenso instante onde eu sempre acreditei que morasse a felicidade. Quando eu estivesse completamente imerso na certeza incerta e duvidosa de que o amor está à minha espera, que vai bater na minha janela, que vamos nos esbarrar na esquina da minha rua ou na venda em que vou sempre comprar pó de café.

A Vida me encarou um dia, fitou fundo os meus olhos e revelou esta triste verdade: que o amor vem só para alguns, vez ou outra, devagar, como quem não quer chegar. Colheita tão esperada que custa a vingar e dar seu fruto. Chuva que se encontra, num beijo, com a terra seca. Água redesenhando as linhas de aridez no solo. Emaranhado de fios, todos cruzados, de um belo tecido em mãos de paciente tecelã. Que o amor é chá-de-cadeira, quem sabe a vida inteira, que é gozo pra quem sabe e quer a ele ser fiel. Que o amor é concebido, fruto de uma paixão que não acontece todo dia, mas que pode chegar a qualquer dia, numa semana vazia. Que o amor, como a vida, é uma eterna sala de espera.

E eu, na certeza de quem sou e com a consciência tranquila de ser plenamente isso que sou, olhei bem nos olhos da Vida, com riso de quem quer chorar, com choro de quem sorri e respondi, serenamente:

- Eu tô acostumado a perder. E mais acostumado ainda a esperar...


sábado, 3 de janeiro de 2015

"EUMAR"

está quente e, mesmo que não estivesse,
minhas emoções transformam qualquer neblina em calor de quarenta graus
minha alma fervendo, ebulindo a cabeça
foi quando a pele - pegando fogo - se encontrou com a água gelada de Copacabana
e nus, nos tornamos um só elemento, um só corpo, uma só paz
enquanto ouvia um canto gregoriano - triste! - ao fundo
a água gelada parecia preencher todos os meus poros
os pulmões ainda relaxados, involuntariamente, se enchiam, devagarinho, de ar
permaneci estático, como um objeto perdido naquelas águas salgadas
oferenda que Iemanjá "injeitou"
e uma paz imensa invadiu meus pensamentos
aquela paz que dizem que só sentimos quando temos certeza que a morte está chegando
me senti eternizado numa pintura de Monet, ali, naquele lugar, naquela sentença
eternizado nas pinceladas do meu pintor favorito, que jeito bonito de partir...

mesmo ensaiando minha partida, o corpo começou a subir
e eu emergi do mergulho, da quase-morte, do possível fim
e as narinas puxaram o ar com urgência, enchendo os meus pulmões
o corpo reagiu, uma vontade feroz de viver
- eu quero viver! -
eu e o mar fizemos amor aquele dia, de forma intensa, visceral
e, desde então, nunca mais fui eu inteiro
o pronome, assim, certinho, primeira pessoa do singular...
sou metade eu, metade mar: eumar

[vezenquando deságuo, vezenquando é preciso empoçar]